Em nome do Nada
Curiosamente existe uma
enorme quantidade de coisas que se podem dizer acerca do nada,
existem uma imensidão de formas de classificar o que não existe,
certamente uma armadilha da nossa mente criadora, mas o quer que seja
é, mesmo que seja apenas uma armadilha o Nada ganha existência, mas
uma forma de existência extremamente única, pois não a podemos
encarar como a de mais nenhum existente, ser ou não e certamente uma
existência como a de nenhum ente.
Algumas das formas de
falar do Nada que espero abordar (sem nenhuma ordem particular):
- o não-ser,
- o oposto do ser (relativo, ou absoluto (eg Deus) ?),
- o ser sem contingências/o ser em si (ou a razão do ser ser)/ o entre o ser e o ente,
- o impensável ou inconcebível,
- inexistente,
- modal.
O não ser é aquilo que
não existe, no entanto falamos dele, como algo que não pode ter
ser, mais do que a inexistência de um ente que enformasse um
hipotético ser, é a própria possibilidade de criar um ente que se
esta a negar, mas será isto uma forma de Nada? Pegassus certamente
não é um ente, não no mundo actual, mas em muitos dos mundos
possíveis é, este é um ente não actual, mas apenas não actual,
sendo ente num mundo possível algures faz dele uma forma de ser,
temos de ir mais longe para encontrar um não-ser e ver se esse
não-ser é Nada ou é algo. Pensemos num quadrado redondo, este não
é um ente, nem neste mundo como em nenhum dos mundos possíveis,
tirar-lhe-à isso o ser? Não me parece, é sempre uma conjunção de
dois conceitos que resulta como falsa, mas a conjunção existe e é
predicável, abordando e incluindo em si uma serie de conceitos, e
como tal tem uma porção de ser em si, mais ainda é recipiente da
classificação modal de impossível e mais uma vez tem de ser uma
forma de existência, uma forma de ser. Talvez tenha-mos de ir buscar
o impredicavel para encontrarmos um não-ser, mas sem sequer abordar
a questão de o impredicavel ser uma provável auto-contradição,
pois independentemente disso continua-se a referenciar um algo que
sendo algo certamente não é um não-ser nem é Nada. Talvez um
não-ser não seja uma forma de Nada, pois o não ser já inclui em
si o conceito de ser, e enquanto tal é possível no não-ser o Nada
não o queremos com qualquer tipo de conceito.
Mas abordemos a ideia de
começarmos no ente e o despirmos daquilo que lhe dá ser. Já temos
algumas propostas sobre o que retirar, comecemos pelos acidentes (na
sua nomenclatura aristotélica) e outras contingências, obteremos
então o ser sem entidade concreta e sem forma, mas o ser tem ainda
muito, pode ainda ser um imaterial, um triângulo ou um pensamento.
Arranquemos-lhe os todos os predicados, sintéticos a priori,
analíticos todo o que o caracterize como ter três ângulos, ser um
ser imaginário como um unicórnio, conceito lógico ou um Universal
que continua ainda a ser uma forma de ser, talvez até uma
possibilidade de ente, continua a ser um ser de pura potencia, talvez
não o Deus tomista pois apenas deriva um ser concreto ou um ente
deste ser que é potencia de ser, mas talvez o substrato puro do
Universo, o qual permite a existência dos entes, encontre aqui uma
definição.
O Nada como impensável
ou inconcebível é também um conceito interessante, por um lado por
talvez ter uma hipótese de estar (ou mais próximo de estar ?)
certo, mas certamente não está ao nosso alcance, isto pois pensar o
impensável é uma contradição. No entanto podemos ir um pouco mais
longe e dizer algo mais, o pensamento ou conceito existe, logo é uma
forma de ser, mas não só o pensamento ou conceito é uma forma de
ser é também uma forma de criar e todo o objecto do pensamento, por
ser pensado, recebe existência e ser, pelo que o Nada certamente não
pode ser pensado. Daqui parece lógico que se diga que o Nada é
impensável mas voltamos as contradições, primeiro porque dizer que
o Nada é impensável é uma forma de o pensar ou conceber, outra
pois existe de novo uma forma de predicação o qual implica uma
espécie de ser puro e recipiente de predicados.
A impossibilidade do
Nada é certa se encarada do ponto de vista humano ou até racional
(independentemente do ser pensador) como acabamos de ver, mas
observe-mos as condições necessárias para o Nada ser impossível.
Para o Nada existir este não podia ser coisa alguma, tal como nas
muitas formas acima demonstradas, pois encarnaria uma contradição
que o tornaria semelhante aos seres, por isso ao negarmos a
existência do Nada estamos-lhe também a negar a possibilidade de
ser como os outros seres e a condição mais básica do ser é
existir, isto é, estamos-lhe a negar a possibilidade, ou seja,
torna-lo numa impossibilidade (até pela mais básica lógica modal),
mas estamos também a dar-lhe um carácter modal, ou seja, podemos
falar do Nada enquanto este for impossível, mas ao ser impossível
também lhe estamos a negar a possibilidade de ter as suas
propriedades que lhe damos, obrigatoriamente, ao pensa-lo
nomeadamente a impossibilidade e a inexistência, pelo que o que
afinal é impossível é a sua impossibilidade e isto nem parece ser
contraditório.
Parece-me no entanto que
ainda não exploramos todas as possibilidades, falta pelo menos uma,
a de ver como é possível existir coisas e o Nada. Vejamos vários
aspectos, o nada é atemporal pois não existe num tempo, mas não
eterno, é inespacial pois não pode ter local, mas não
omnipresente. O Nada é único pois se houver dois Nadas estes são
o mesmo (nem que recorramos ao principio da identidade dos
indiscerníveis), mas não pode ter características (unicidade
incluída) e o Nada não pode ser pensável, pois passa a ser
coisa...
Mas de uma coisa nos
temos a certeza, nós existimos para além de toda a duvida no velho
ditado normalmente exposto como “Penso logo existo”
(concretamente falado deveria escrever “eu”, mas estou a supor a
existência do leitor), a questão é, como é que eu, ser pensante,
posso existir e o Nada também?
O eu existir implica que
tudo no Universo têm uma relação comigo, ser diferente, ser
contemporâneo, estar distante ou perto, ser pensável... De facto a
existência do quer que seja implica a existência de uma relação
tal como a relação implica existência. Todas estas são
impossíveis ao Nada (consistentemente com o bloco anterior), pelo
que se deduz que é impossível haver ser(es) e haver Nada, mas não
se deduz a “total” impossibilidade do Nada.
Resta uma ultima
consequência, apesar de eu existir o Nada teima em aparecer à nossa
mente, e se vimos que é impossível o Nada existir de facto (mais
acto do que facto. afinal eu existo) devemos verificar uma ultima vez
se este é absolutamente impossível.
Vimos que a existência
implica a inexistência do Nada, mas e se num mundo possível Nada
existir, isto é no sentido de não haver existências ou seres
alguns, ou seja, planetas, pessoas, números, pensamentos, Deus …
Bem continua a existir o mundo possível, mais , continua a existir
todos os outros mundos possíveis, o Nada tinha de implicar a
erradicação da possibilidade tornando-a impossível, mas nada
parece mais absurdo do que impossibilitar a própria possibilidade,
logo o Nada não pode ser uma possibilidade, sendo, afinal,
impossível.
Talvez o Nada que
conseguimos pensar seja mesmo isso, o absurdo de uma impossibilidade
que se nega a si própria, a impossibilidade da possibilidade, e como
absurdo que é ganha uma espécie de existência que trai a sua
natureza.