quinta-feira, 3 de abril de 2014

Em nome do Nada


Em nome do Nada




     Curiosamente existe uma enorme quantidade de coisas que se podem dizer acerca do nada, existem uma imensidão de formas de classificar o que não existe, certamente uma armadilha da nossa mente criadora, mas o quer que seja é, mesmo que seja apenas uma armadilha o Nada ganha existência, mas uma forma de existência extremamente única, pois não a podemos encarar como a de mais nenhum existente, ser ou não e certamente uma existência como a de nenhum ente.


    Algumas das formas de falar do Nada que espero abordar (sem nenhuma ordem particular):

  • o não-ser,
  • o oposto do ser (relativo, ou absoluto (eg Deus) ?),
  • o ser sem contingências/o ser em si (ou a razão do ser ser)/ o entre o ser e o ente,
  • o impensável ou inconcebível,
  • inexistente,
  • modal.


     O não ser é aquilo que não existe, no entanto falamos dele, como algo que não pode ter ser, mais do que a inexistência de um ente que enformasse um hipotético ser, é a própria possibilidade de criar um ente que se esta a negar, mas será isto uma forma de Nada? Pegassus certamente não é um ente, não no mundo actual, mas em muitos dos mundos possíveis é, este é um ente não actual, mas apenas não actual, sendo ente num mundo possível algures faz dele uma forma de ser, temos de ir mais longe para encontrar um não-ser e ver se esse não-ser é Nada ou é algo. Pensemos num quadrado redondo, este não é um ente, nem neste mundo como em nenhum dos mundos possíveis, tirar-lhe-à isso o ser? Não me parece, é sempre uma conjunção de dois conceitos que resulta como falsa, mas a conjunção existe e é predicável, abordando e incluindo em si uma serie de conceitos, e como tal tem uma porção de ser em si, mais ainda é recipiente da classificação modal de impossível e mais uma vez tem de ser uma forma de existência, uma forma de ser. Talvez tenha-mos de ir buscar o impredicavel para encontrarmos um não-ser, mas sem sequer abordar a questão de o impredicavel ser uma provável auto-contradição, pois independentemente disso continua-se a referenciar um algo que sendo algo certamente não é um não-ser nem é Nada. Talvez um não-ser não seja uma forma de Nada, pois o não ser já inclui em si o conceito de ser, e enquanto tal é possível no não-ser o Nada não o queremos com qualquer tipo de conceito.

     Mas abordemos a ideia de começarmos no ente e o despirmos daquilo que lhe dá ser. Já temos algumas propostas sobre o que retirar, comecemos pelos acidentes (na sua nomenclatura aristotélica) e outras contingências, obteremos então o ser sem entidade concreta e sem forma, mas o ser tem ainda muito, pode ainda ser um imaterial, um triângulo ou um pensamento. Arranquemos-lhe os todos os predicados, sintéticos a priori, analíticos todo o que o caracterize como ter três ângulos, ser um ser imaginário como um unicórnio, conceito lógico ou um Universal que continua ainda a ser uma forma de ser, talvez até uma possibilidade de ente, continua a ser um ser de pura potencia, talvez não o Deus tomista pois apenas deriva um ser concreto ou um ente deste ser que é potencia de ser, mas talvez o substrato puro do Universo, o qual permite a existência dos entes, encontre aqui uma definição.

    O Nada como impensável ou inconcebível é também um conceito interessante, por um lado por talvez ter uma hipótese de estar (ou mais próximo de estar ?) certo, mas certamente não está ao nosso alcance, isto pois pensar o impensável é uma contradição. No entanto podemos ir um pouco mais longe e dizer algo mais, o pensamento ou conceito existe, logo é uma forma de ser, mas não só o pensamento ou conceito é uma forma de ser é também uma forma de criar e todo o objecto do pensamento, por ser pensado, recebe existência e ser, pelo que o Nada certamente não pode ser pensado. Daqui parece lógico que se diga que o Nada é impensável mas voltamos as contradições, primeiro porque dizer que o Nada é impensável é uma forma de o pensar ou conceber, outra pois existe de novo uma forma de predicação o qual implica uma espécie de ser puro e recipiente de predicados.

     A impossibilidade do Nada é certa se encarada do ponto de vista humano ou até racional (independentemente do ser pensador) como acabamos de ver, mas observe-mos as condições necessárias para o Nada ser impossível. Para o Nada existir este não podia ser coisa alguma, tal como nas muitas formas acima demonstradas, pois encarnaria uma contradição que o tornaria semelhante aos seres, por isso ao negarmos a existência do Nada estamos-lhe também a negar a possibilidade de ser como os outros seres e a condição mais básica do ser é existir, isto é, estamos-lhe a negar a possibilidade, ou seja, torna-lo numa impossibilidade (até pela mais básica lógica modal), mas estamos também a dar-lhe um carácter modal, ou seja, podemos falar do Nada enquanto este for impossível, mas ao ser impossível também lhe estamos a negar a possibilidade de ter as suas propriedades que lhe damos, obrigatoriamente, ao pensa-lo nomeadamente a impossibilidade e a inexistência, pelo que o que afinal é impossível é a sua impossibilidade e isto nem parece ser contraditório.

     Parece-me no entanto que ainda não exploramos todas as possibilidades, falta pelo menos uma, a de ver como é possível existir coisas e o Nada. Vejamos vários aspectos, o nada é atemporal pois não existe num tempo, mas não eterno, é inespacial pois não pode ter local, mas não omnipresente. O Nada é único pois se houver dois Nadas estes são o mesmo (nem que recorramos ao principio da identidade dos indiscerníveis), mas não pode ter características (unicidade incluída) e o Nada não pode ser pensável, pois passa a ser coisa...
Mas de uma coisa nos temos a certeza, nós existimos para além de toda a duvida no velho ditado normalmente exposto como “Penso logo existo” (concretamente falado deveria escrever “eu”, mas estou a supor a existência do leitor), a questão é, como é que eu, ser pensante, posso existir e o Nada também?
O eu existir implica que tudo no Universo têm uma relação comigo, ser diferente, ser contemporâneo, estar distante ou perto, ser pensável... De facto a existência do quer que seja implica a existência de uma relação tal como a relação implica existência. Todas estas são impossíveis ao Nada (consistentemente com o bloco anterior), pelo que se deduz que é impossível haver ser(es) e haver Nada, mas não se deduz a “total” impossibilidade do Nada.

     Resta uma ultima consequência, apesar de eu existir o Nada teima em aparecer à nossa mente, e se vimos que é impossível o Nada existir de facto (mais acto do que facto. afinal eu existo) devemos verificar uma ultima vez se este é absolutamente impossível.
Vimos que a existência implica a inexistência do Nada, mas e se num mundo possível Nada existir, isto é no sentido de não haver existências ou seres alguns, ou seja, planetas, pessoas, números, pensamentos, Deus … Bem continua a existir o mundo possível, mais , continua a existir todos os outros mundos possíveis, o Nada tinha de implicar a erradicação da possibilidade tornando-a impossível, mas nada parece mais absurdo do que impossibilitar a própria possibilidade, logo o Nada não pode ser uma possibilidade, sendo, afinal, impossível.

      Talvez o Nada que conseguimos pensar seja mesmo isso, o absurdo de uma impossibilidade que se nega a si própria, a impossibilidade da possibilidade, e como absurdo que é ganha uma espécie de existência que trai a sua natureza.

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