quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Matemática- Porque é que 0 x 0 = 0 (zero vezes zero é igual a zero) ?


Matemática- Porque é que 0 x 0 = 0 (zero vezes zero é igual a zero) ?


Existem varias propriedades consoante o tipo de operação matematicamente, nomeadamente.

Adição:

  • A+B = B+A
  • A+(B+C) = (A+B)+C
  • 0+A= A
  • Para todo o A existe um B tal que A+B=0 (números negativos)
  • Se A, B e C são três números quaisquer e A é diferente de zero e A+B=A+C então B=C

Multiplicação:

  • AxB = BxA
  • Ax(BxC) = (AxB)xC
  • 1xA = A
  • Para todo o A diferente de 0 existe um C tal que AxC=1 (números racionais)
  • Se A, B e C são três números quaisquer e A é diferente de zero e AxB=AxC então B=C

E

  • (A+B)xC = AxC+BxC



Estas são as propriedades dadas pelo autor e para se deduzir que 0x0=0nem sequer é necessário especificar um termo ou uma regra para 0 (zero). Isto deduz-se de duas simples propriedades da multiplicação, a saber.

Propriedade cumulativa da multiplicação, ou seja AxB = BxA

A neutralidade do 1 (um) para a multiplicação, isto é Ax1 = A


Para deduzir que 0 x 0 = 0 das propriedades acima é fácil, queres tentar?



Caso não querias ...

0 x 0 = 0
0 x 1 x 0 x 1 = 0
0 x 0 x 1 x 1 = 0
0 x 1 = 0
0 = 0


E no final continua-mos sem saber porque é que a multiplicação têm as propriedades que têm e estamos no ponto de partida na mesma :) e continuamos sem saber porque é que a matemática é como é.


Dedução (“cálculos”) feitos por mim.
Propriedades indicadas no “Matemática- Uma breve introdução” de Timothy Govers

segunda-feira, 20 de outubro de 2014


As Duas Leis



Platão atribuía uma beleza especial à criação da cidade-estado a partir da sua legislatura e numa demanda por saber o que será uma legislatura que devemos construir, podemos começar por observar as melhores das existentes e facilmente apercebemos-nos que existem dois grandes pólos de leis consoante a sua natureza, aquelas que são de desenho social e as que são de justiça.


O desenho social é aquele que permite a diferença entre dois povos, criando as regras do dia-a-dia e o modo de se fazer as coisas. Exemplifique-se com o código da estrada e o “andar pela direita”, esta lei é uma escolha. De facto o seu contrario o “andar pela esquerda” praticado em Inglaterra é tão justo, ético e moral quanto o nosso, apesar de ser o oposto da acção praticada por nós. É uma escolha pois apesar de seu carácter aparentemente aleatório é uma demonstração de uma escolha ou gosto particular que as pessoas executaram consciente ou inconscientemente, e com uma origem e um impacto cultural e estético da criação de uma cultura. A forma da escolha e a própria escolha são desta forma o reflexo da sociedade que a toma, não necessariamente dos seus constituintes, uma vez que esta sociedade pode ser uma ditadura, re-demonstrando que estas leis em si são inoculas, necessitando a legislatura de ser suportada por outro tipo de lei para existir a justiça ou o bem.
É no entanto com este tipo de leis que se desenha uma sociedade e se harmoniza um povo com uma cultura e uma forma de ser que é só deles, pois este tipo de leis é o que faz o modo de vida e as acções necessárias para a vida nesta sociedade. Mas a escolha como é só para esta sociedade ganha um certo carácter único e como provem de pessoas (não necessariamente de todas) ganha um carácter estético pois também provem daquilo que as pessoas escolhem para a sua ideia de sociedade e de vida social bela e boa.
Pode-se talvez argumentar que este pólo só realmente existe quando é democrático e plural para todos os seus constituintes, pois o não ser democrático elimina a existência do outro pólo, tornando o desenho ditatorial da sociedade no epicentro único da legislatura, não sendo já um desenho, mas uma escultura, aliás uma ferramenta de ferro, até pode ser uma legislatura mas não uma que liga, só uma que prende.1


O outro pólo é o da justiça pura, ou seja daquilo que de deve ser e se deve fazer e proteger independentemente de tudo o resto, auto-justificado, em que o próprio fim é a própria razão de ser. Como exemplos mais conhecidos temos o direito à vida e à liberdade nas suas imensas formas, esta tem como base a sua universalidade e igualdade, a sua negação será universalmente injusta e má, não importando o tempo, local ou contexto, não podem sequer ser democratizadas ou referendadas, pois o resultado de tal não seria uma averiguação da justiça destes conceitos (talvez de outras coisas da sociedade, medo, raiva ou educação mas não da justiça). Na verdade são leis que não seriam necessárias se o individuo escolher e for capaz de uma vida justa, a única real necessidade é da beleza-estética-platónica de se conseguir construir uma legislatura que realmente reflicta a justiça e o bem. Pois ao contrario da direcção em que se conduz, em que é necessário aprender e educar os múltiplos indivíduos sobre a norma escolhida, o individuo não precisa necessariamente de informação (talvez de reflexão ) para perceber a liberdade ou a vida como direitos universais e a transcendência deles à vontade humana.
Aqui a tentativa de legislar é provavelmente em vão, talvez até uma contradição, pois captar algo que ultrapassa o humano com meios puramente humanos é de certa forma uma escolha, muito provavelmente sempre deficitária. Talvez ainda contra-producente, retirando a justiça do individuo para o seu exterior na vã tentativa de que a justiça possa ser apreendida e não alcançada, mas se calhar não deixa de ser uma obra demasiado importante para não ser tentada... e mesmo assim talvez necessária uma vez que as pessoas parecem continuar a falhar na obtenção da justiça e do bem.
No entanto, neste pólo vislumbra-se a possibilidade de não existir no seu aspecto formal, pois o seu aspecto formal não retira a existência prévia de uma certa forma de lei transcendental, mas uma lei. No entanto por oposição o outro pólo só pode existir partido das pessoas e formalizando.


A legislatura desejada observa então esta convergência de dois pólos, o democrático e o universal, mas talvez ainda mais interessante é que apesar de afastados, ainda que convergentes, são interdependentes, pois um depende de coisas como o direito à vida, à liberdade e igualdade e o outro dá os meios para uma pessoa poder conhecer, ser e proteger coisas como a justiça e a liberdade na sociedade. O pólo democrático depende daqueles direitos básicos que o pólo universal garante, nomeadamente um deles é a liberdade de poder escolher o lado da estrada em que quer conduzir. No entanto o pólo democrático dá os meios de a sociedade se poder organizar para ser justa e boa e assim ajudar a proteger o direito à vida ou a igualdade, criando de certa forma a execução da justiça e dos restantes direitos. Afinal com a escolha tomada e a sociedade desenhada, conduzir do lado errado torna-se uma matéria de justiça e não de escolha (pelo menos até que se use os meios devidos e justos para se re-desenhar a sociedade), pois neste caso o seu contrario torna-se um atentado ao direito à vida.

Convergem mutua e reciprocamente numa dinâmica conceptual da qual certamente requer a sabedoria e a beleza que Platão procurava.


1http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Os erros da abstenção



                   

     Numa democracia representativa, desiludida consigo mesma, a abstenção é uma forte tentação, apoiada por argumentos acerca de democracia participativa e formas directas desta (e na minha opinião, ambas devem ser um objectivo prioritário de todos os cidadãos) ganha bastante apelo, no entanto vivendo numa forma de democracia é unicamente duas coisas, a forma de se perder direitos, e de deixarmos que poucos controlem muitos, tal como nos sistemas não democráticos.
     Eis vários porquês de tal acontecer.


     1- O mundo não para por nós, e os restantes vão continuar a muda-lo, a única questão é se fazemos parte dessa mudança. E sem duvida que uma das alturas em que mais se pode contribuir para mudar o mundo é aquela em que todos podem dar o seu contributo expresso. Em todas as eleições algo muda, mas só os que votam fazem a mudança, só os que se decidem a mudar através do seu acto é que mudam o mundo, e o voto é uma das formas mais simples de o fazer.


     2- Abdicar de direitos nunca pode conquistar direitos. Por alguma razão existem quem esteja desiludido com a democracia representativa, por achar que esta não respeita a sua vontade e opinião que acha que abdicando do seu direito de voto as mesmas pessoas que não o respeitaram lhe vão dar mais capacidade para decidir e afectar o mundo, não só é contraditório mas é como parar de correr e lutar para pedir clemência a um psicopata que nos persegue. O sistema suporta a abstenção e não pára e nada nele obriga a dar mais direitos para se manter a funcionar.


    3- A democracia representativa, por ser a melhor que por agora temos, é aquela que nos aproxima e eventualmente levará a novas e melhores formas de democracia e não será a caminharmos na direcção oposta que nos aproximaremos destas. Não será com quem decidiu deixar de escolher que se encontrará a força para fazer mais e melhores decisões, quando estas têm mais impacto. Não será com aqueles que não tomaram as decisões relativamente fáceis da democracia representativa que se terá a capacidade das decisões relativamente difíceis que nos trará uma democracia participativa. A abstenção é o caminho para a falta de democracia não para qualquer forma de democracia, seja ela qual for, pois a abstenção mina o sujeito e a sua capacidade democrática e com isso mina a sociedade e a democracia que nesta houver.


    4- Um bem menor, pode não ser o ideal mas se for o único possível é nosso dever executar esse ao invés de nada fazer. Tal é o caso do voto numa democracia representativa, pode não alcançar o que realmente almejamos, mas tem o poder de deixar o mundo um lugar melhor e como tal temos a obrigação ética de votar para levar o mundo a um melhor estado de coisas. É o mesmo que um medico, não podendo curar os dois olhos de um cego se recusa a curar só um, deixando-o cego em vez de vesgo.


    5- Não são todos iguais. Afirmar o contrario são tretas e desculpas... Com 16 partidos (no caso de Portugal) dizer o contrario é apenas uma desculpa para não se confrontar os pontos acima e o próprio sistema, longe de ser perfeito permite o saneamento de quase todos os seus problemas, para tal basta que se exerça o voto em maior consciência.


    Nada impede de se participar numa democracia representativa e de lutar para que esta se torne participativa ou directa, aliás, votar pode ser uma forma de lutar.
Pode ser uma espécie de partidocracia, provavelmente é, mas os mecanismos para a mudança estão primeiro na sociedade que escolhe e se exprime e depois no sistema que é obrigado a seguir certas formas de expressão e exercendo o direito que temos, quando o temos podemos controlar o nosso destino. Mas as vezes também é necessário uma certa coragem para votar onde se pode fazer a diferença e sem medo da mudança ou da desilusão.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Divagações sobre o Rendimento Básico Incondicional (RBI)


Divagações sobre o Rendimento Básico Incondicional (RBI)


     O RBI é um conceito interessante, que consiste em entregar a todas as pessoas uma certa quantia de dinheiro que lhes permita sobreviver dignamente, independentemente de terem ou não trabalho. Aparentemente, segundo os seus defensores, é possível por em pratica e financiar o esquema, no entanto seria a solução mais indicada e justa para melhorar o mundo?

    A ideia parte do facto de que a tecnologia substituiu muita da mão de obra humana necessária para muitos dos trabalhos, especialmente os de produção de bens, logo em vez de forçar quer as pessoas, quer o meio ambiente e quer mesmo o mercado a garantirem empregos desnecessários, as pessoas teriam sempre a protecção do RBI significando que muitas poderia pura e simplesmente não trabalhar, com vantagens extras de que serviria como forma de aumentar salários e condições de trabalho, pois as pessoas não estariam pressionadas pela falta de dinheiro.

    No entanto esquece de que a tecnologia só substituiu o homem parcialmente, muitos trabalhos continuam a ter de ser efectuados por seres humanos, ou seja muita gente continuaria a ter de trabalhar, a questão urge saber se é justo dividir a sociedade entre aqueles que trabalham e os que não trabalham.

Pode-se ver isto em vários pontos:

  • Divide-se a sociedade em duas classes, uma que trabalha e além do RBI tem um ordenado (logo pelo menos 2x mais rendimento), estando claramente acima da classe dos desempregados;
  • Não existe (tanto?) incentivo social para criar emprego, logo quem está na classe dos desempregados terá muitos mais problemas em sair desta;
  • A classe dos trabalhadores pode-se sentir (talvez até justamente) injustiçada por efectivamente ter a sociedade como a sua exclusiva responsabilidade e dever (apesar de ter benefícios adicionais), aliás, talvez análogo ao que já se passa actualmente entre quem trabalha e ganha relativamente ao seu trabalho e quem recebe a miséria do RSI. Por outro lado, possivelmente não seria tanto, uma vez que também receberia o RBI pelo que ao menos se sentiria "recompensada" de uma forma mais pessoal (continuando no entanto a ser a unica a gastar oum dos bens mais preciosos, o tempo);
  • O provável e justo descontentamento dos desempregados por estarem fora das esfera de responsabilidade e dever de manter a sociedade;
  • Apesar de haver uma pequena, mas maior, distribuição da riqueza, não muda dramaticamente o paradigma de forças das várias classes, a sociedade de mercado, a privatização de bens e serviços essenciais, em suma não faz grande mossa no capitalismo;
  • Nada garante que realmente elimine a pobreza, muitos que trabalham actualmente, até por mais do que o salário mínimo são pobres ou até miseráveis.


    Quer isto dizer que o RBI é uma má ideia? Não, certamente seria melhor do que a situação actual, havendo provavelmente quem se senti-se perfeitamente bem com a situação (independentemente da sua classe), no entanto, está ainda bastante longe de ser uma sociedade justa, já que está sem uma distribuição relativamente igualitária de recursos e responsabilidades sociais.

    Para tal, ideias como a de pleno emprego teriam muito mais impacto na minha opinião (e se o RBI é financiavel este certamente também será) e tal é sempre possível reduzindo os horários de trabalho, mas mesmo essas teria de ser acompanhadas por outras medidas e pessoalmente acho que a ideia de salários/rendimentos/posses máximas, ou bastantes taxadas e redistribuídas, teria bastante efeito pois realmente afectaria o quinto ponto acima descrito.
    A ultima questão é “e se for impossível o pleno emprego ou houver 'acidentes de percurso' ?”, esta é talvez a melhor razão para haver uma garantia de que a pessoa nunca está desprotegida e talvez algo como o RBI tenha aí o seu papel...




Para mais informações sobre o RBI

http://www.rendimentobasico.pt/
https://www.facebook.com/RendimentoBasicoPortugal?fref=ts

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Em nome do Nada


Em nome do Nada




     Curiosamente existe uma enorme quantidade de coisas que se podem dizer acerca do nada, existem uma imensidão de formas de classificar o que não existe, certamente uma armadilha da nossa mente criadora, mas o quer que seja é, mesmo que seja apenas uma armadilha o Nada ganha existência, mas uma forma de existência extremamente única, pois não a podemos encarar como a de mais nenhum existente, ser ou não e certamente uma existência como a de nenhum ente.


    Algumas das formas de falar do Nada que espero abordar (sem nenhuma ordem particular):

  • o não-ser,
  • o oposto do ser (relativo, ou absoluto (eg Deus) ?),
  • o ser sem contingências/o ser em si (ou a razão do ser ser)/ o entre o ser e o ente,
  • o impensável ou inconcebível,
  • inexistente,
  • modal.


     O não ser é aquilo que não existe, no entanto falamos dele, como algo que não pode ter ser, mais do que a inexistência de um ente que enformasse um hipotético ser, é a própria possibilidade de criar um ente que se esta a negar, mas será isto uma forma de Nada? Pegassus certamente não é um ente, não no mundo actual, mas em muitos dos mundos possíveis é, este é um ente não actual, mas apenas não actual, sendo ente num mundo possível algures faz dele uma forma de ser, temos de ir mais longe para encontrar um não-ser e ver se esse não-ser é Nada ou é algo. Pensemos num quadrado redondo, este não é um ente, nem neste mundo como em nenhum dos mundos possíveis, tirar-lhe-à isso o ser? Não me parece, é sempre uma conjunção de dois conceitos que resulta como falsa, mas a conjunção existe e é predicável, abordando e incluindo em si uma serie de conceitos, e como tal tem uma porção de ser em si, mais ainda é recipiente da classificação modal de impossível e mais uma vez tem de ser uma forma de existência, uma forma de ser. Talvez tenha-mos de ir buscar o impredicavel para encontrarmos um não-ser, mas sem sequer abordar a questão de o impredicavel ser uma provável auto-contradição, pois independentemente disso continua-se a referenciar um algo que sendo algo certamente não é um não-ser nem é Nada. Talvez um não-ser não seja uma forma de Nada, pois o não ser já inclui em si o conceito de ser, e enquanto tal é possível no não-ser o Nada não o queremos com qualquer tipo de conceito.

     Mas abordemos a ideia de começarmos no ente e o despirmos daquilo que lhe dá ser. Já temos algumas propostas sobre o que retirar, comecemos pelos acidentes (na sua nomenclatura aristotélica) e outras contingências, obteremos então o ser sem entidade concreta e sem forma, mas o ser tem ainda muito, pode ainda ser um imaterial, um triângulo ou um pensamento. Arranquemos-lhe os todos os predicados, sintéticos a priori, analíticos todo o que o caracterize como ter três ângulos, ser um ser imaginário como um unicórnio, conceito lógico ou um Universal que continua ainda a ser uma forma de ser, talvez até uma possibilidade de ente, continua a ser um ser de pura potencia, talvez não o Deus tomista pois apenas deriva um ser concreto ou um ente deste ser que é potencia de ser, mas talvez o substrato puro do Universo, o qual permite a existência dos entes, encontre aqui uma definição.

    O Nada como impensável ou inconcebível é também um conceito interessante, por um lado por talvez ter uma hipótese de estar (ou mais próximo de estar ?) certo, mas certamente não está ao nosso alcance, isto pois pensar o impensável é uma contradição. No entanto podemos ir um pouco mais longe e dizer algo mais, o pensamento ou conceito existe, logo é uma forma de ser, mas não só o pensamento ou conceito é uma forma de ser é também uma forma de criar e todo o objecto do pensamento, por ser pensado, recebe existência e ser, pelo que o Nada certamente não pode ser pensado. Daqui parece lógico que se diga que o Nada é impensável mas voltamos as contradições, primeiro porque dizer que o Nada é impensável é uma forma de o pensar ou conceber, outra pois existe de novo uma forma de predicação o qual implica uma espécie de ser puro e recipiente de predicados.

     A impossibilidade do Nada é certa se encarada do ponto de vista humano ou até racional (independentemente do ser pensador) como acabamos de ver, mas observe-mos as condições necessárias para o Nada ser impossível. Para o Nada existir este não podia ser coisa alguma, tal como nas muitas formas acima demonstradas, pois encarnaria uma contradição que o tornaria semelhante aos seres, por isso ao negarmos a existência do Nada estamos-lhe também a negar a possibilidade de ser como os outros seres e a condição mais básica do ser é existir, isto é, estamos-lhe a negar a possibilidade, ou seja, torna-lo numa impossibilidade (até pela mais básica lógica modal), mas estamos também a dar-lhe um carácter modal, ou seja, podemos falar do Nada enquanto este for impossível, mas ao ser impossível também lhe estamos a negar a possibilidade de ter as suas propriedades que lhe damos, obrigatoriamente, ao pensa-lo nomeadamente a impossibilidade e a inexistência, pelo que o que afinal é impossível é a sua impossibilidade e isto nem parece ser contraditório.

     Parece-me no entanto que ainda não exploramos todas as possibilidades, falta pelo menos uma, a de ver como é possível existir coisas e o Nada. Vejamos vários aspectos, o nada é atemporal pois não existe num tempo, mas não eterno, é inespacial pois não pode ter local, mas não omnipresente. O Nada é único pois se houver dois Nadas estes são o mesmo (nem que recorramos ao principio da identidade dos indiscerníveis), mas não pode ter características (unicidade incluída) e o Nada não pode ser pensável, pois passa a ser coisa...
Mas de uma coisa nos temos a certeza, nós existimos para além de toda a duvida no velho ditado normalmente exposto como “Penso logo existo” (concretamente falado deveria escrever “eu”, mas estou a supor a existência do leitor), a questão é, como é que eu, ser pensante, posso existir e o Nada também?
O eu existir implica que tudo no Universo têm uma relação comigo, ser diferente, ser contemporâneo, estar distante ou perto, ser pensável... De facto a existência do quer que seja implica a existência de uma relação tal como a relação implica existência. Todas estas são impossíveis ao Nada (consistentemente com o bloco anterior), pelo que se deduz que é impossível haver ser(es) e haver Nada, mas não se deduz a “total” impossibilidade do Nada.

     Resta uma ultima consequência, apesar de eu existir o Nada teima em aparecer à nossa mente, e se vimos que é impossível o Nada existir de facto (mais acto do que facto. afinal eu existo) devemos verificar uma ultima vez se este é absolutamente impossível.
Vimos que a existência implica a inexistência do Nada, mas e se num mundo possível Nada existir, isto é no sentido de não haver existências ou seres alguns, ou seja, planetas, pessoas, números, pensamentos, Deus … Bem continua a existir o mundo possível, mais , continua a existir todos os outros mundos possíveis, o Nada tinha de implicar a erradicação da possibilidade tornando-a impossível, mas nada parece mais absurdo do que impossibilitar a própria possibilidade, logo o Nada não pode ser uma possibilidade, sendo, afinal, impossível.

      Talvez o Nada que conseguimos pensar seja mesmo isso, o absurdo de uma impossibilidade que se nega a si própria, a impossibilidade da possibilidade, e como absurdo que é ganha uma espécie de existência que trai a sua natureza.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Identidade individual e identidade de grupo









    A identidade pessoal, isto é, quando é que algo é ainda o mesmo algo ou algo diferente ou a questão da persistência da mesmidade, é um dos mais antigos e complexos problemas da filosofia, pelo que seria presuntuoso apresentar aqui uma solução para a poder equacionar com a identidade de um grupo. Pelo que faço uma variante do assunto e falarei antes de identidade individual 1, a qual podemos ainda não saber caracterizar mas sabemos bem a partir de que limites a identidade individual é claramente comprometida e o objectivo deste texto é exactamente esse, o de conhecer quando é que os limites da identidade de um individuo é comprometido pela de um grupo ao qual voluntariamente pertença2.



    Existimos primeira e necessariamente como seres independentes, como Sartre constatou, condenados à nossa própria liberdade, uma consequência da nossa mente individual que cuja percepção da própria existência obriga a uma opinião do que percepciona, liberdade esta que por vezes nos impõe escolhas injustas, como escolher entre o nosso mal ou à expressão livre e exterior da nossa liberdade. Mas, existindo, a nossa mente opina e avalia na melhor das suas capacidades tudo o que com ela entra em contacto e por fim escolhe, mesmo que essa escolha seja dar a acção a outrem, a nossa representatividade a alguém que não somos nós, ou pura e simplesmente nunca se exprimir e escolher que outros influenciem o mundo, incluído o mundo pessoal do próprio individuo, de uma forma desafecta à opinião deste. A identidade individual é então algo que o próprio individuo (e apenas este ?) conhece, e esta é começa a ser ultrapassada quando o individuo a sente forçada a fazer acções não porque as escolheu mas sim porque a escolha foi feita independentemente da sua opinião, pois nesse momento o individuo consegue ver duas coisas, as acções implicadas pela sua identidade e a acções que lhe estão a ser forçadas e que não são compatíveis com a sua identidade.


    Mas a maioria dos indivíduos nasce já numa sociedade, ou seja numa espécie de união ou grupo do qual se pode questionar se podem ou não ter completa liberdade e identidade individual, mas admitamos que sim (posteriormente espero vir a argumentar, implicitamente, tal coisa, mas de qualquer forma é irrelevante para o problema aqui levantado). No entanto dentro dessa sociedade muitas vezes cada um dos indivíduos escolhe livremente juntar-se ou fazer parte de um outro grupo ou a uma outra forma de união3 que obrigatoriamente até certo ponto ultrapassa ou suplanta o individuo possuindo uma identidade própria que dificilmente será completamente indiferenciavel da do individuo4. A questão passa por saber quando é que está identidade do grupo é um ataque à identidade individual e pessoal.

    Pensemos na identidade de grupo, esta é feita pois várias pessoas livres, se unem para realizar acções concretas, sob a forma de uma entidade que pode ser caracterizada de forma independente, mas sem necessariamente se confundir com a dos seus indivíduos atómicos (ou seja as pessoas). A identidade deste grupo surge da mistura da identidade dos seus integrantes, mesmo no caso de um grupo completamente autoritário e hierarquicamente rígido a sua caracterização só pode-se realizar através dos que representam a autoridade e dos que escolhem serem comandados por essa mesma autoridade, um grupo destes surge quando existe um numero suficientemente grande de pessoas dispostas a serem comandadas e de outras a comandarem5. Mas o mesmo é valido para grupos de, digamos, discussão de opiniões livres, onde para funcionar como grupo os indivíduos tem de aceitar regras ou procedimentos que podem não ser de pleno acordo com a própria opinião (por exemplo os temas sobre os quais falar, durante quanto tempo, forma de reunião etc...), mas claramente alguns tipos de grupo forçaram mais do que outros a uma maior pressão sobre a identidade do individuo em relação à identidade do grupo. Se esta nova entidade se gera a partir da mistura de individualidades, a proporção da escolha de liberdade expressa ou externa de cada um dos indivíduos será aquilo que enforma a identidade desta nova entidade que é o grupo, assim o individuo tem através da sua escolha um efeito modelador proporcional à força da exteriorização da própria identidade. A capacidade de exteriorizar a escolha e opinião pessoal que é um reflexo da identidade pessoal, não será o único factor pois os mesmo é valido para cada um dos indivíduos, levando a um confronto ou uma confluência de características individuais, é será deste encontro que emergirá uma nova entidade com a identidade própria do grupo. Teoricamente nada impede que vários indivíduos diferentes consigam criar um grupo em que apenas há confluência na identidade dos indivíduos (para os propósitos do grupo, entenda-se, pois de outra forma podíamos começar a por em causa se seriam de facto indivíduos diferentes) mas o caso que nos interessa é aquele em que existe também conflito de opiniões individuais, expressas ou não.


    O individuo ao entrar num grupo sabe da provável impossibilidade de total compatibilidade para com a maioria pelo que já está a pressupor que nem sempre poderá agir da forma que escolheria em todos os casos, ou que os seus “representantes“ nem sempre o representarão mas sim coisas com as quais não está de acordo6. Chegamos ao crucial, qual é a relação da identidade individual e da lealdade para consigo próprio quando isso acontece?
O individuo unindo-se ou criando voluntariamente um grupo terá uma noção dos parâmetros desse mesmo grupo, pelo que tendo consciência de que parte da sua liberdade é posta em causa para a formação da identidade do grupo, terá já uma noção do que está abdicar e mesmo assim faz a escolha plena, resolvendo pessoalmente quais são os limites a partir dos quais não abdica ou abdica de algumas opções pois estão ainda são compatíveis com a sua identidade. Desta forma as escolhas do grupo podem passar por escolhas também pessoais e compatíveis com a sua identidade, pois foram tomadas antes de o grupo poder exercer influencia sobre o individuo, provavelmente sendo opções que possivelmente também tomaria sozinho dadas as circunstancias certas, assim é necessário ir ao nível seguinte e ver quando a opção do grupo é uma incógnita ao individuo.


    A opção de um grupo é muitas vezes uma incógnita, mesmo aos seus integrantes, pelas mais variadas razões, desde a impossibilidade de prever e calcular todas as variáveis, ou à de mutação do próprio grupo, quer através da mudança individual de cada um dos integrantes ou de mudanças daqueles que são os integrantes do grupo. E é esta incógnita que tem a capacidade de afectar o individuo, pois ao ser confrontado com a novidade o individuo terá de avaliar essa mesma novidade e neste momento rever a sua própria identidade. Neste momento duas coisas podem acontecer, estar de acordo com a resolução (ou dentro dos limites que tinha definido previamente) ou não estar de acordo. O conflito gera-se neste ultimo ponto, potencialmente comum, em que o grupo implica algo que já não é o acto do individuo, que pode escolher três coisas: agir de forma contraria ao grupo mas própria a si próprio, aceitar sem concordar mantendo a mesma opinião que tinha mas agindo contra a própria a opinião, ou por ultimo (tentar?) mudar-se a si próprio. No primeiro caso creio existir pelo menos uma certa preservação da identidade pessoal7, no terceiro claramente existe a auto-violação desta, e no segundo? 

    É evidente que existirá um conflito pessoal pois tem uma opinião e uma acção diferente, aqui encontramos outra pergunta, o que caracteriza uma pessoa? As suas opiniões ou as suas acções? Podemos supor um sujeito na situação em que pensa A mas executa não A (o seu oposto), e outro que pensa e executa não A, nesta caracterização redutora os dois são do ponto de vista de um observador externo idênticos, mas a sua identidade é claramente diferente, revela-se aqui uma peculiaridade da identidade individual em relação aos seres conscientes, que é a opinião pessoal como caracterizadora da consciência e consequentemente do individuo e que pode modificar aquilo que normalmente é visto apenas do ponto de vista externo (como o barco de Teseu)8, ou seja aquilo que apenas o individuo pode realmente conhecer também é parte da sua identidade. Outro caso será o de dois indivíduos em que ambos pensam A mas executam não A, ainda mais facilmente se poderiam caracterizar como sendo idênticos, no entanto digamos que um deles vive atormentado por executar o contrario da sua opinião, aqui ultrapassamos a escolha e alcançamos a dimensão sensitiva do sujeito, o qual também será um dos factores primordiais da sua identidade9. Mas continuamos sem ver uma força externa que obrigue a mudança, pois nada disto obrigo o individuo ao quer que fosse, só o desejo de permanência no grupo é que condicionou o individuo.



    Desta forma, aparentemente, toda a mudança do individuo é sempre iniciada pelo próprio e com curso definido, mas isso significará que o exterior não tem influencia nessa mudança, especialmente algo como um grupo? Influencia sim, regressemos as primeira linhas do texto, onde vimos que o individuo é de facto livre, mas as opções que pode escolher nem sempre são criadas por ele, e se as escolhas e as consequências destas são integrantes da identidade do individuo então também é o grupo envolvente, afinal o individuo surge como um mundo de possibilidades mas a actualização das possibilidades é feita com participação directa do mundo exterior. Apesar da responsabilidade ser individual a criação e mutação do individuo não é, por isso se houver conflito será na própria actualização das possibilidades individuais.
Estamos talvez no fim da nossa jornada, pois referimos que o individuo acaba por mudar e evoluir para algo de novo, independentemente até de não o querer (e nisto não é livre), o único conflito que existe é se o individuo muda para algo que deseja ser ou ser ou para algo que não deseja ser (ou para algo mais próximo de uma destas possibilidades). O problema é, por vezes, apenas surgirem opções que deixam sempre o individuo mais longe daquilo que deseja ser, nesse momento é que existe o real conflito e o grupo/mundo exterior começa a enformar a identidade individual através da identidade/realidade colectiva. Mas como já foi dito, existem escolhas injustas e imorais algumas que põe mesmo em causam direitos básicos e tais escolhas são inconcebíveis e absolutamente imorais (tal como a primeira de todas referida no texto) e ninguém é obrigado a ter que as superar (apesar de ser bastante louvável quem o consegue fazer), nesta altura a preservação da identidade só pode ser feita por duas formas ou a ruptura com o grupo/mundo, ou a capacidade de mudar a identidade do grupo/mundo. As situações que obrigam o individuo a este tipo de opções, aquelas a que não devia ser obrigado a confrontar tornam-se talvez nas únicas que realmente o mudam sem este alguma vez poder ter uma verdadeira responsabilidade pela mudança, mesmo que a opção continue a ser sua.


    Consegue um grupo mudar um individuo? Sim, basta condicionar-lhe as opções que tem disponíveis, ou então condicionar-lhe a percepção destas (as praxes ou a politica, são óptimos exemplos deste ultimo caso), enquanto o individuo de facto escolhe e arca com as consequências, é uma de certa forma uma falsa escolha, pois na verdade o leque de escolhas já foi feito por outros.10
A identidade do individuo depende então apenas da capacidade deste se distanciar ou mudar o grupo a partir do momento que não se considera compatível com este, e havendo a possibilidade de o fazer, sem que haja consequência derivadas de uma opção que é imoral de oferecer, toda a opção do grupo pode ser considerada como tendo pelo menos o consentimento do individuo. O grupo pode então ser utilizado para criar uma caracterização superficial do individuo, mas sem o essencial, pois o individuo ultrapassa as acções, escolhas e opiniões do grupo e até do próprio individuo, pois em ultima analise o individuo continua a ser responsável por deixar que a caracterização genérica e superficial do grupo se aplique a ele próprio.


    Em suma, um grupo pode realmente mudar um individuo, mas so quando a mudança se torna um ataque, não à sua identidade, mas à sua pessoalidade. De resto a sua identidade está tão protegida quanto a força da percepção do seu valor pessoal, que todos têm e o qual deve de ser estimulado em liberdade e igualdade de direitos.



1 Definamos identidade individual como aquilo que caracteriza um individuo, nos seus aspectos mais pessoais, por oposição aos aspectos mais metafisicos.
2 Não é necessário que seja grupos voluntários, pois o mesmo se poderia aplicar, com as devidas anotações, a grupos involuntários, mas concentrem-nos por hora nestes casos, pois são os que me interessa neste texto.
3Podem ser recreativas, religiosas, politicas, desportivas, qualquer género...
4 Não é de todo excluir a possibilidade que a identidade do grupo seja indiferenciavel da do individuo, especialmente se for um grupo com identidade minimalista, ou se por exemplo o individuo for o “ditador” absoluto do grupo.
5Esta caracterização é bastante genérica de propósito, pois tanto pode descrever um regime fascista, como pode descrever uma cadeia de comando das equipas de emergência (nomeadamente bombeiros ou protecção civil). Desta forma temos indivíduos atómicos bastante diferentes em cada e para cada uma duas entidades de grupo mas que foram descritas de forma (genericamente) idêntica.
6Neste ponto não implico necessariamente alguma forma de corrupção, mas sim que os representantes, fazendo o devido papel de representação, representem o grupo nas características que entram em conflito com o individuo.
7Pelo menos a mudança que possa vir a existir não provem exclusivamente da influencia do grupo, podendo perfeitamente ocorrer mudanças na identidade pessoal devido a outras razões (metafisicamente, falando o tempo apenas pode ser uma mudança do ser, que leve o ser a ser outra coisa, e não o que era)
8O navio de Teseu é uma historia dos filósofos gregos, em que o dito barco ao longo dos anos foi reparado muitas vezes, tantas que a partir de certo ponto já nenhuma das suas partes era original do barco, onde a questão se ponha como pode o barco ser o mesmo, mesmidade do todo e diferença das partes?
9Aliás, quase toda a arte que contem uma narrativa o demonstra.
10E aqui temos uma das maiores razões pela qual é necessário que haja formas de democracia directa numa sociedade justa e livre.